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domingo, 1 de novembro de 2015

[Conto] Kate e a Porta


Kate estava muito animada.
Desde que conhecera Benjamin, sua vida mudara. Até alguns dias atrás, ela era apenas uma secretaria de um escritório de contabilidade em Washington, vivia na sua inútil rotina, recebia o seu salário, que mal dava para pagar suas contas, enfim, esse era o resumo dos seus últimos 10 anos de vida.
Mas hoje era um dia completamente diferente, ela estava arrumando as malas para fazer um cruzeiro pelo Caribe!
Nem em seus melhores sonhos imaginava algo tão lindo! Ele era um homem muito elegante, alto, sempre com a barba bem feita, terno engomado, e possuía aquele olhar de quem sempre tem o controle da situação, mesmo nos momentos mais difíceis. Só tinha um problema com ele, ele não gostava de falar muito de si, apesar de já estarem juntos há alguns meses, ela muito pouco sabia sobre ele, apenas que tinha muito dinheiro, e que sabia como agradar uma mulher, mas nunca lhe disse nada sobre de onde vinha sua fortuna.
Ele adorava ouvir as histórias de Kate, e como ela adorava estar na presença dele, ela vivia contando tudo sobre o seu dia a dia, era incrível como tudo que era monótono para ela, ele ouvia como se estivesse em êxtase com tanta novidade, coisas como: dificuldades com a dona do escritório, que era uma velha solteirona e ranzinza; seu ímpeto por comer doces em momentos de ansiedade; o fato de odiar pessoas que deixam tudo para última hora, tornando todo fim de mês no escritório um verdadeiro tormento e etc. Todas essas banalidades do seu dia a dia eram como música aos ouvidos de Benjamin.
A esperança de Kate era de que neste cruzeiro ficassem mais tempo a sós, pois assim poderia conhecer melhor o seu futuro marido, e pai de seus filhos...
Ela já imaginava tudo como seria, faria uma festa como jamais vista na pequena cidade onde morava, convidaria para a cerimônia todas as amigas invejosas do colegial, as quais viviam saindo com todos os garotos do colégio, e viviam zombando de Kate por nunca ter conseguido sair com os garotos populares, em vez disso havia ficado somente com um ou outro garoto, somente para provar para elas e pra si mesma que não era a pior menina da classe se tratando de relacionamentos, mas no fundo sempre achou que não tinha nascido pra isso, pois nunca tinha conseguido levar um relacionamento adiante.
Porém esses meses com ele haviam sido maravilhosos, ela agora só andava com roupas das maiores grifes, causando inveja em todas as mulheres que lhe botavam os olhos. Ela incrivelmente havia se transformado de uma mulher esquecida no mundo, pra uma mulher linda e exuberante, cheia dos exageros permitidos para pessoas da sua classe.
Ela só não havia pedido demissão do escritório ainda, pois Benjamin somente lhe visitava nos finais de semana, e se não fosse o escritório não saberia como aguentaria passar os dias úteis à espera do seu grande amor.
Mas nesse cruzeiro tudo mudaria, pois ela iria lhe pedir para que ele levasse ela para sua vida, tirando-a daquela miserável cidade, e enfim ela viveria uma vida de aventuras, as quais deveriam fazer parte das rotinas daquele tão atarefado homem.
No seu último encontro antes do cruzeiro (que por sinal seria realizado em seu iate particular) ele havia lhe dado uma pulseira Pandora, com vários pingentes em formatos diferentes, os quais ele disse que haviam sido comprados nos mais diversos países os quais havia visitado. Ele contou a Kate uma história curiosa sobre o nome Pandora, já que ela nunca gostou das aulas de história ela não conhecia nada sobre o nome, mas achou muito interessante. Ele disse que dizia uma lenda grega, que Pandora foi a primeira mulher do mundo, dada para um homem por Zeus, como um castigo, e ela trazia consigo um jarro, que posteriormente foi chamado de caixa de Pandora, o qual nunca deveria ser aberto, mas um dia Pandora não aguentou a sua curiosidade e resolveu abrir a caixa, trazendo tudo o que há de pior para a humanidade, assim como Eva no Éden, a mulher através da curiosidade havia sido a responsável por tudo que há de pior no ser humano.
Apesar de todo ar galante de Benjamin, Kate não entendeu qual o sentido de toda essa explicação, e apesar de ser uma história muito legal, principalmente pelo fato de Benjamin ser muito fechado, ela achou ofensivo da parte dele, jogar a culpa dos problemas da sociedade na curiosidade da mulher, e com certeza ela não era como essas mulheres citadas nessas lendas.
Chegado o grande dia, ela se vestiu com sua melhor roupa, e foi para o porto encontrar o seu belíssimo namorado.
Chegando ao local com o motorista enviado por Ben viu que as ruas estavam desertas, não havia uma alma viva próxima à aquele porto naquele horário.
O motorista que a levou parecia muito preocupado e tenso como se soubesse de algo, ela desceu do carro e agradeceu, mas assim que ela bateu a porta do carro ele saiu depressa cantando pneus, sem dizer nada e nem mesmo olhar no retrovisor.
Naquele porto deserto, somente havia uma coisa iluminada, o luxuoso iate do sr. Benjamin, e nele seu braço direito, Wilson, estava de pé em frente ao iate e cordialmente cumprimentou a srta. Kate:
- Minha doce senhorita, o senhor Benjamin se atrasou, mas me pediu para encaminhar a senhorita até o quarto principal do seu iate, onde a senhorita poderá ficar à vontade, somente com uma recomendação, a de que não abra a porta ao lado da porta do closet, em hipótese nenhuma.
Conforme ela foi entrando no iate, parecia viver um sonho: Pétalas de rosas por todas as partes, champanhes e vinhos de todas partes do mundo, luzes de néon enfeitavam todos os corredores principais, o lugar era simplesmente mágico.
O quarto o qual eles festejariam à luz do luar era tão espetacular quanto ao resto do iate, possuía vários ambientes, com iluminações próprias, e decorações pensadas em cada detalhe, o teto estava aberto e a lua iluminava todo o ambiente, ela foi conhecer o banheiro, que era enorme, possuía uma banheira toda iluminada uma TV enorme à frente da banheira e sais de banho de várias cores e aromas estavam armazenados em pequenos potes, como um arco íris de muitas cores, a lhe incitar a imaginação do que poderiam fazer mais tarde naquela banheira.
Ao voltar para o quarto, ela percebeu que Wilson já estava lá fora, de vigia na entrada do iate, aguardando o seu patrão chegar.
Ela se sentou no enorme e luxuoso banco em destaque no centro do quarto e percebeu que ele ficava de frente com a única coisa que não combinava com o resto da decoração, uma portinha velha, ao lado da luxuosa porta do closet.
Em frente ao banco em que ela se sentou havia uma mesa com vários tipos de doces e chocolates, ela experimentou alguns, mas nada em exagero, mas é claro que com tantos doces Ben não daria falta de alguns.
A sala não possuía relógios, e Kate não soube quanto tempo ficou ali sentada, se foram minutos ou horas, mas quanto mais o tempo passava, mais aquela porta a atraía, e com o passar do tempo ela chegou a uma conclusão, tudo não passava de uma brincadeira de Ben, ele deveria ter contado toda aquela história preconceituosa sobre a curiosidade no seu último encontro, e se esconderia ali, atrás daquela porta, para lhe fazer uma surpresa, e enfim quando ela abrisse, ele quebraria aquela expressão dura e séria, e faria alguma brincadeira com ela e sua curiosidade, provavelmente fazendo referência com o antigo ditado que dizia que a curiosidade matou o gato, e eles iriam gargalhar por um bom tempo, antes de continuarem com suas carícias e amassos.
Mas por outro lado, ele poderia simplesmente ter se atrasado, devido à alguma reunião, e se soubesse que ela abriu a porta ao lado do closet, ficaria desapontado com ela tornando assim aquele lindo encontro em uma experiência desagradável, e ela provavelmente não teria como lhe contar os seus planos, tendo que deixar para uma outra oportunidade.
Após muita reflexão ela resolveu se aproximar da porta, apesar da porta ser velha e estar toda arranhada, a maçaneta estava intacta, suja como se quem fosse responsável pela limpeza do iate se esquecesse dela (ou a evitasse), mas tão intacta que apesar da sujeira, não se viam marcas de mãos.
Um frio lhe percorreu a espinha, ela olhou pela janela e Wilson não estava no seu lugar habitual, mas como não havia escutado nenhum som de chegada de carro ou moto, provavelmente o guarda costas havia saído para ir ao banheiro. Como não havia nenhuma câmera de segurança no quarto luxuoso de Ben (por motivos óbvios) ela imaginou que uma espiadinha não faria mal a ninguém, pois se ninguém soubesse e ela negasse ninguém poderia saber do ocorrido, mas ela sim saberia, o que há de tão importante e misterioso por detrás daquela porta.
Muito devagar e tentando manter a respiração o mais tranquila possível ela tocou a maçaneta, e como era previsto, nada aconteceu, ela girou a maçaneta e tudo continuava igual, apesar de estar suando frio de medo, aquela adrenalina lhe aquecia o coração, como se ao mesmo tempo em que estava fazendo algo muito errado, e se igualando às mulheres citadas no último jantar, ela estivesse também entrando no jogo de amor do Ben, pois se ele não quisesse que aquela porta fosse aberta não teria criado todo aquele clima e deixado a porta destrancada, se tudo aconteceu dessa forma até o momento, é porque aquela porta precisava ser aberta.
Ela abriu a porta rapidamente, esperando encontrar ali o seu querido Ben, mas ao invés disso se deparou com um corredor escuro e com cheiro de mofo, tão abandonado quanto a porta que lhe dava acesso, mas ela percebeu que havia algo escrito no final do corredor iluminado por uma vela grande, que provavelmente havia sido acesa poucas horas antes de sua chegada. Ela foi caminhando lentamente em direção à parede ao final do corredor, forçando os olhos para conseguir ler o que estava escrito na parede, que seria o desfecho dessa sinistra brincadeira.
Quando se aproximou um pouco mais, sentiu um cheiro horrível, como se houvesse um bicho morto ali dentro, sentiu náuseas, mas agora não poderia mais voltar atrás, tudo que precisava fazer era ler os escritos na parede, e dar o fora daquele corredor nojento.
Quando ela estava à uma distância onde era possível começar a ler as inscrições na parede ouviu passos atrás de si, uma gota de suor lhe escorreu pelo pescoço, e em instantes ela girou sobre os calcanhares, e viu a silhueta de um homem, provavelmente Wilson, que fez um gesto como se pegasse algo da cintura e levasse ao ouvido.
Em outro lugar não tão distante dali um telefone tocou, Benjamin atendeu, e Wilson disse:
- Sinto muito senhor, mas essa ainda não é a mulher que o senhor procura, lhe desejo mais sorte da próxima vez, tenha uma ótima noite!
-  Obrigado Wilson.  - disse Benjamin secamente e desligou o telefone.
Ele olhou o horizonte e ouviu vários disparos que mais pareciam uma serenata para cortejar aquela noite tão especial, e ao mesmo tempo tão comum.

10 comentários:

  1. Amor adorei o seu conto. Parabéns meu escritor predileto..

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  2. Você é muito muito muito bom!!! Sensação de que eu estava lá vendo tudo acontecer!!! Ficou PERFEITO!!!

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  3. Caramba! Muito bom! Prende do inicio ao fim, te deixa tenso, muito bem escrito. Adorei!!

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  4. Dormélia1/11/15 12:55

    Aguardando continuação. ...

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  5. Muito bom!!! Mas ainda tem muita coisa no ar....

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  6. Nossaaa.. Fiquei fascinada.. Não consegui parar de ler... Meus parabéns ficou muito bom mesmo..quero mais histórias.. Ansiosa para os próximos contos!!!

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  7. Hummmmm... Gostei! :D

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  8. Legal Ronie, parabéns!!! Em um texto curto você conseguiu criar um background para os leitores se identificarem com a Kate, mostrou no meio da história como seria o seu fim, o ambiente criado dentro do iate ficou muito joia também, e no desfecho, me surpreendeu por ser realista, estava esperando algo fantástico, heheheh, mas gostei muito, continue com seus contos e força para fazer o seu livro.

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  9. Parabéns, conseguiu criar uma atmosfera de tensão e curiosidade no leitor! Ficou um ótimo suspense esse final!

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